Um tempo breve. Alguns pares de semana. Foi o que me coube para entrar em contato, ver e falar com uma pequena constelação de artistas mulheres e seus fabulosos trabalhos. O resultado desse encontro você, leitor, está vendo agora. Aqui, talvez no breve tempo que poderá dedicar a essa exposição. Não se aflija. Dá tempo. Tempo até sobra, você verá. Respire fundo, avance mais alguns passos. Fique à vontade. Enquanto você percorre o espaço, vou contar o que descobri. Deixe-me começar fazendo as apresentações: da esquerda para a direita você encontra obras de Ana, Ursula, e Isis. Mas se estiver visitando a feira no final de semana, o encontro vai ser com os trabalhos de Lilian, Ursula, e Gabriela, nessa ordem. Caso algo tenha mudado nesse ínterim, Vanessa ou Flávio vão te trazer informações atualizadíssimas no exato momento em que você lê estas exatas palavras neste papel, não se preocupe. Você já viu muitas exposições de arte, imagino. Então, ao percorrer nossa pequena mostra coletiva, em cerca de 20 passos, ou 15, a depender do seu ritmo, penso que vai intuir imediatamente que os temas e inquietações mobilizados nas telas, fotografias, esculturas e peças instalativas que tem diante de si evocam tempos ancestrais. Você está no caminho certo. Escrevi há pouco que te contaria das minhas descobertas, lembra? Porque antes de Vanessa me convidar para organizar essa mostra, não conhecia ainda Ana, Ursula, Isis, Lilian, e Gabriela. E talvez você seja da mesma opinião que eu, de que cada artista é um mundo inteiro. No limite, cada obra de cada artista é um mundo. Não vamos resolver nada nesse curto espaço de tempo nem solucionar maiores enigmas, nós sabemos. Assim como compartilhamos desse indizível e desse insondável que habita as obras de arte, sim? A partir dessas limitações é que posso contar essas histórias, sabendo que estamos na mesma página. Está vendo os dois retratos na parede da esquerda? Esses objetos ovais, um feito de caquinhos de cerâmica e concreto, outro de cimento e areia? São retratos da casa de infância que Ana Hortides construiu para trazer para o primeiro plano o espaço que costuma residir invisível e inalcançável por trás de todos os retratos: a história de qualquer sujeito representado numa obra de arte traz a reboque uma casa, uma infância, memórias de todos os tempos que uma história contém. Na parede frontal da exposição, esse desenho espacializado sobre diversas folhas de papel, espalhado na parede, emaranhado por trilhas de grafite e fitas antiderrapantes que você vê também fala do tempo imemorial: o tempo da datação de carbono, investigação que perpassa as obras recentes de Ursula Tautz, evocando as memórias do mundo e as tramas microscópicas que formam tudo o que vive e pulsa. O grafite também está depositado nas duas telas da artista, logo em seguida ao desenho: carbono que Ursula desbasta, deixando entrever as constelações ao fundo. Do cosmo infinito, você salta ao microcosmo desses interiores expostos na parede à direita. São espaços que o olhar de Isis Gasparini perscruta dentro de museus: um detalhe do mobiliário, um fragmento de jardim entrevisto pela janela, um motivo que capta a sua atenção em uma pintura. Camadas e camadas de tempo decantando sob o olhar dos visitantes, como o seu mesmo agora, enquanto tenta desvendar o que pode ter acontecido com as Catedrais de Rouen que Claude Monet retratou em 1894 nessas cinco versões diminutas que Isis dispõe uma ao lado da outra. Dou uma dica: cada uma sofreu a ação da luz do Sol por um período de tempo diferente. Cada obra da artista contém tempo e luz em diferentes proporções. Agora, se você está visitando a exposição em um dia diferente, preciso contar outras duas histórias: primeiro, voltemos a olhar a parede da esquerda. As pinturas que você vê são memórias da artista Lilian Camelli plasmadas em óleo sobre tela. Os interiores domésticos evocam lugares do passado, alguns vivenciados, outros recriados mais com a imaginação do que propriamente com a memória. Ou seria a memória sempre uma reinvenção? Lembra, no início do texto, quando mencionei as fábulas? Há muito de ficção no conjunto de todos os trabalhos reunidos aqui (seja qual for o dia da sua visita), porque a matéria do tempo é a invenção. À direita, você pode observar esse grid que se desmancha e se alonga composto por pequenas pinturas, de Gabriela Sacchetto. Convidam a se aproximar. Pode chegar bem perto, sem cerimônia. Percebe como cada uma é um mundo? O trabalho pictórico com a tinta a óleo de tons rebaixados sobre madeira imprime esse aspecto de um tempo imemorial, não acha? Seja um pequeno objeto que a artista escolhe retratar, seja uma imensidão de paisagem, tudo cabe nessa oscilação entre um passado difícil de localizar com precisão e a concretude material da presença desse corpo-obra, tudo cabe nessa instantânea viagem no tempo. Não falei que dava (e até sobrava) tempo? A propósito, esqueci de me apresentar! Sou esse serzinho que espia por debaixo do tapete vermelhão. Ou, caso hoje seja sábado, sou esse caminhãozinho basculante no deserto de areia da pequena pintura do canto. Obrigado pela visita. 

Juliana Monachesi

ArtRio 2022

15.09.2022 – 18.09.2022 - Marina da Glória, Rio de Janeiro

Ana Hortides, Gabriela Sacchetto, Isis Gasparini, Julia da Mota, Julia Pereira, Leo Luz, Lilian Camelli, Ursula Tautz

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