ArtSampa 2022

16 - 20.03 OCA - São Paulo

Ana Hortides, Carolina Colichio, Julia da Mota, Lilian Camelli, Thamyres Donadio, Ursula Tautz

Carolina Colichio, Isis Gasparini e Julia da Mota são artistas que apostam numa trajetória em que os gestos recolhem do mundo sua instabilidade e radicalidade, sustentando  interrogações poéticas e políticas que constroem outras ficções e reinstauram ligações entre regimes heterogêneos do sensível.

Uma arqueologia do íntimo que se funda na relação com a memória e a espessura das coisas: nos atalhos e texturas que erigem daí, está o trabalho de Carolina Colichio, coletora de mares e de outras presenças. Seu corpo é o lugar de abertura em que começam muitas existências. De uma pedra furada ou do movimento da areia, ela coleta impressões e filigranas que criam um gabinete de curiosidades de onde escoa sua obra. Nas esculturas feitas pelo tempo, no mundo como pulsação, está a deriva de seus processos: pintura, aquarela, o olhar depositado nos vazios e no silêncio abrigado em tudo. Sua obra nos envolve com outra atmosfera, em um exercício de dilatação do tempo. O mover da areia, o buraco na pedra, um osso modelado em argila, a força do gesto que vive na contemplação ou na coleta, o tempo que se modifica. Na superfície do papel ou no espaço oco de uma concha, a artista cria uma pausa, um efeito de suspensão que, com fluidez e delicadeza, tremula com a potência do assombro e da luz que entra pelas brechas. 

É também em estudos de imagem e luz que encontramos o trabalho de Isis Gasparini. Em sua pesquisa sobre a paisagem e a presença do campo do olhar, a artista subverte o dentro e o fora, criando, como convocação, um “espaço-entre”, como na obra “Era preciso o corpo olhar para fora” – em que paisagens vistas pela janela de museus são transfiguradas – ou em “Entre” – uma caixa acrílica com 130 fragmentos de paisagens, que pode ser manuseada como um livro-objeto, com recriação de cenas. A fenda por onde a luz pode entrar está em “Fresta”, em que a imagem impossível se forma de um espaço heteróclito que se dá na movimentação e na fragmentação, como um relampejar que remete à “imagem dialética” de Walter Benjamin, apropriada por Didi-Huberman para questionar a ideia de origem e pureza da obra de arte. O trabalho da artista encarna essa imagem em que passado e presente se misturam para formar o que, citando novamente Walter Benjamin, pode ser denominado de constelação, uma configuração de olhares e tempos heterogêneos que é, ao mesmo tempo, destruição e sobrevivência.

Julia da Mota reinventa a cidade na abstração das formas e na captura singular das paisagens urbanas. Transitando entre espaço público, intimidade e pulsações da natureza, a artista cria um sentido de leveza, uma fina neblina de poesia. Seu trabalho desliza de maneiras múltiplas: pintura em aquarela sobre papel, acrílica sobre tela de algodão, óleo sobre tela, serigrafia sobre papel, gravura em metal, monotipia. As formas geométricas evocam memórias espaciais e uma interioridade deflagrada entre o minimalismo e a geometria abstrata. Sua formação em arquitetura intensifica as relações entre cor, forma, matéria e paisagem. Sua obra toca fronteiras e litorais e cria espaços que subvertem nossa relação com o ambiente. E é exatamente nesse lugar, entre aparição e desaparição, que encontramos a força de um trabalho que abriga algo da nossa fragilidade e a força da invenção de novos mundos, com grande variação de escalas e formas de trabalho – pequenas aquarelas, monotipias, pinturas acrílicas fluidas em grande escala em tela crua. Seus trabalhos mais recentes, feitos com sutileza tal que aproximam a pintura acrílica da aquarela, criam uma espécie de “arealidade”, expressão tomada de Jean-Luc Nancy para dizer de um movimento que invoca a poesia lá onde a significação escoa.


Bianca Coutinho Dias – psicanalista e crítica de arte

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