Limiar

Julia da Mota

26.11 - 22.12.2022

texto: Gisela Gueiros

ArteFASAM São Paulo

“(…) Entre essas paisagens  a pequena alma passeia,
  some, volta, chega perto,  voa longe,
 estranha a si própria,  inatingível,
 ora certa,  ora incerta da sua existência,
  enquanto o corpo é, é, é 
e não tem para onde ir.”

– Wislawa Szymborska, em “Torturas” traduzido por Regina Przybycien

Arquiteta de formação, Julia da Mota busca, hoje, outras maneiras de construir nesse mundo. Acessa espaços internos ao invés de projetar edifícios. Ao investigar a ideia de paisagem — essa extensão de território que o olhar alcança num lance —, a artista amplia o sentido do que a vista captura e traduz o conceito para um movimento interior, uma construção íntima.

Esse exercício poético se dá em forma de pinturas em aquarela e tinta acrílica diluída que investigam o limite das coisas — as relações entre pigmento e suporte, geometria e fluidez, dentro e fora, opacidade e transparência, controle e a falta dele. Nesse estado em que a pintura é “um mundo sem objetos, sem interrupção, ou obstáculo”, como sugerido pela artista canadense Agnes Martin, “é preciso aceitar a necessidade de entrar num campo de visão como se cruzássemos uma praia vazia para olhar o oceano”.(1)

Numa dança entre o físico e o sensorial, os trabalhos de Julia da Mota intermediam dois mundos. Planos divididos ao meio, horizontes que se sobrepõem e o embate do corpo — da artista, e depois do espectador —, diante de cada pintura.

Nessa série inédita de trabalhos — feita logo após uma residência artística em Palma de Mallorca, na Espanha —, a artista continua a explorar o aspecto orgânico de sua prática. Da Mota não utiliza régua ou fitas para demarcar as áreas a serem ocupadas por cor, “me interesso pela presença da mão, do erro, da tinta que às vezes escorre. No fim”, diz a artista, “ela vai para onde quer”. Um convite para percebermos que o limite amplia.


Gisela Gueiros, Novembro 2022

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