“Vamos chamar o vento” - Carolina Colichio

15.04 - 13.05.2023

ArteFASAM São Paulo

vamos chamar o vento

Anualmente ventos fortes varrem o deserto do Saara, na África, e carregam centenas de milhões de toneladas de poeira numa travessia Oceano Atlântico adentro, aterrando na América do Norte, Caribe e América do Sul, mais precisamente na Floresta Amazônica. A poeira do deserto é rocha triturada, extremamente fina, que tem em sua composição fósforo e nitrogênio, nutrientes importantes para a biodiversidade e que trazem fertilidade ao solo. Ela ainda é responsável por 80% da chuva da região amazônica. Vez por outra, os fortes ventos volteiam o continente europeu, trazendo uma tempestade de barro que colore os céus de marrom e tudo o mais que se encontre pela frente. É neste momento que as micropartículas ficam visíveis a olhos nus.

A polinização é um processo fundamental para a existência e manutenção da biodiversidade, pois um terço das plantas cultivadas dependem dela para se reproduzirem e produzirem frutos. A transferência de grãos de pólen ocorre de várias maneiras, sendo a anemofilia a transladação feita pelo vento, ocorrendo tipicamente nas gramíneas.

Vamos chamar o vento. Esta é uma evocação dessa força que une o deserto africano e a selva brasileira, que fertiliza solos, que dispersa agentes poluidores, que gera movimento e energia. Evocamos o vento nesta exposição que arregimenta os trabalhos mais recentes de Carolina Colichio, que por sua vez formam o que Anna Tsing conceitua como assembleia. Trata-se de um termo que advém da ecologia da paisagem e que busca registrar as relações de organismos que podem ser encontrados juntos e agrupados num determinado lugar, sendo humanos e não humanos. A pensadora nos faz enxergar que o cerne da investigação atual no âmbito da antropologia precisa voltar-se para as relacionalidades, ou seja, para os processos dinâmicos de associação entre seres. A assembleia que compõe esta exposição abrange obras que surgem da observação, apropriação e imaginação de seres não humanos e paisagens. Elementos naturais como sementes, cera de abelha, madeira, linho e argila relacionam-se com concreto, cola e tinta a óleo criando objetos de naturezas híbridas. Muitas vezes as obras referem-se umas às outras num exercício de reverberação e diálogo entre materialidades distintas de um mesmo ser.

A assembleia instituída em Vamos chamar o vento entrelaça lugares, elementos e experiências tão díspares como a floresta de bétulas da cidade de Hämeenkyrö, na Finlândia, onde situa-se a residência artística em que Carolina Colichio esteve no ano passado e na qual teve a experiência de observar cogumelos e toda a vida desta mata, e uma lojinha escondida num dos edifícios da interminável rua 25 de março, em que se encontra sementes escultóricas que agora repousam em esculturas. Tal como a conexão inusitada do Saara e a Amazônia. O processo de alteração e transformação de materiais engendrados pela artista atribui uma nova existência a estes corpos. Juntos, eles formam um ecossistema, uma floresta, um território que ao mesmo tempo nos traz familiaridade e estranhamento. Talvez o porvir seja exatamente assim: igual, mas diferente.

Vamos chamar o vento.

Vamos evocar a mudança.

Vamos chamar o vento.

Vamos evocar nossa dança.

Vamos chamar o vento.

Cristiana Tejo

Lisboa, abril de 2023

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