Janela invertida: isso não é uma pintura, 2022

Leo Luz

texto Bruna Costa

10.09 - 24.09.2022 Rio de Janeiro

Pintura é algo que nos engole. O crítico Paulo Sergio Duarte já nos disse que a pintura possui uma força centrípeta, em constante atração para dentro de si, diferente da escultura, que exerce uma força centrífuga – fazer escultura fora dos moldes convencionais foge muito facilmente do campo da escultura, numa força de afastamento, mas fazer pintura em campo ampliado sempre retoma os problemas familiares da pintura. Assim sendo, a pintura se torna um buraco negro, cheio de densidade e de uma força de atração inescapável.

Em Leo Luz, a pintura é mais matéria que imagem. Tem a força atrativa da pintura, mas opera no campo da escultura ou do relevo pelo manejo das suas grossas camadas. Não à toa, os volumes dão vontade de tocar, as texturas de saborear; desejamos cheirar seus impastos de tinta e até ouvir as criaturinhas presas nos espessos translúcidos. Arte em sinestesia pelo desejo.

Neste sentido, a janela renascentista que consolidou a pintura como espaço artístico hegemônico perde a força no contemporâneo. Diferente de uma formação artística convencional, a pintura de Leo Luz não é o ponto de partida que se desdobra em outras experimentações, mas é um dos caminhos encontrados mais recentemente para suas questões. Assim, ainda que tenhamos a certeza de que estamos vendo pinturas, concretamente estes objetos podem muito mais do que o suporte tradicional do quadro, que buscava negar a própria matéria (tinta sobre superfície) para ser imagem.

A imagem, portanto, fica ao nosso encargo: imaginar a partir do que vemos. Suas pinturas são como sonhos de algodão doce. Lúdicos, suaves, são encantadores, mas, por vezes, enigmáticos ou até monstruosos. Sempre fantasiosos. Se existe algo que alguns chamam “cozinha da pintura”, à de Luz se assemelha à confeitaria: da alquímica mistura e experimentações de ingredientes (materiais), até a construção de camadas e camadas de coberturas e glacês.

Detendo-nos mais especificamente aos conjuntos aqui apresentados, é durante a quarentena que o artista começa um processo de transformação de sua obra, que caminhou dos desenhos com grafite e relevos sobre papel à tomada completa da tinta. A experiência da arquitetura, mais regular e geométrica, pouco a pouco dá lugar a formas orgânicas e quase figurativas, irreconhecíveis. Podem ser flores, comida, nuvens, bichinhos ou o que quisermos. É uma espécie de processo de libertação da grade ortogonal e do racionalismo inerente a ela. Mas algo deste repertório está lá, diluído, como vírus que invadem nossos códigos digitais ou físicos, alteram nossa genética e deixam sequelas nos sentidos do corpo.

Bruna Costa

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