Sol a Sol - Coletiva
texto Fernanda Lopes
20.08 - 24.09.2022 São Paulo
Estrela central do nosso sistema planetário, em torno do qual tudo gira, referência inicial de paisagem desde os desenhos de criança, o Sol atravessa os tempos mais remotos, os imaginários mais distintos e as culturas mais ancestrais assumindo as uma variedade incontável de leituras. Em nossas mediações com o mundo (este e outros), com a vida (esta e outras), com o tempo (passado, presente e futuro), Febo, o astro rei, está presente na astronomia, na astrologia, nas mitologias, na religião, na agricultura, na navegação, na política, na ficção científica, nas artes, na ciência e na linguagem. Mesmo a 150 milhões de quilômetros de distância, o Sol também está presente cotidianamente nas expressões populares e figuras de linguagem, como lugar de esperança e castigo. Nascendo para todos (dizem) e brilhando mais uma vez (dizem também).
Em Sol a Sol estão reunidos na galeria ArteFASAM em São Paulo oito artistas e cerca de 40 trabalhos entre objetos, desenhos, instalação, pintura, escultura e vídeo, produzidos entre 2018 e 2022 – muitos deles inéditos. Aqui, o ponto de contato proposto são possibilidades de leitura para essa que talvez seja uma das mais conhecidas, mas também mais antigas, expressões populares: de sol a sol. Relacionada inicialmente ao trabalho, seu sentido primeiro se remete ao que se faz desde que o sol nasce até o momento em que o sol se põe. Ainda hoje, quando a luz elétrica há tempos ampliou as jornadas de trabalho para muito além da possibilidade de luz natural do sol, a expressão ainda é usada em referência ao esforço. Um esforço que se dá de maneira repetida, como uma rotina marcada pela paisagem que se alterna a partir da presença e ausência cíclica desse elemento-chave que é o sol. Esse sentido da repetição traz também a noção do cotidiano, da passagem do tempo e da vida em sua dimensão prosaica.
Leandro Barbosa, Infiltração # 16 - Sol a Sol (Série Infiltrações)
O título da mostra remete também à obra homônima de Leandro Barbosa, presente na exposição. Nela vemos uma telha de ardósia centenária, descartada durante o processo de restauração de um casarão carioca do início do século 20, o desenho de uma espécie de estrela, de cata-vento, ou de rosa dos ventos. Elementos ligados à diferentes possibilidades de leitura da ideia de paisagem, como a celeste, a cotidiana, a dos grandes deslocamentos, e até mesmo do tempo histórico, evocado na prática do restauro, que também ecoam e reverberam nos demais trabalhos da exposição.
As paisagens de Susanne Schirato e Márcio Diegues aqui são quase como extremo opostos. Na instalação Para onde vai o ar, Susanne ocupa a parede com 200 peças de cerâmica de pequenas dimensões – o número faz referência ao cilindro de oxigênio usado em mergulho, que tem capacidade de 200 bar de pressão ou 2.200 litros de ar. É a partir desse número que se calcula a capacidade de tempo de permanência de baixo d´água. Referências e paralelos a essa paisagem submarina povoam a produção de Susanne. Já Márcio Diegues, que tem um amplo estudo sobre naufrágios, apresenta aqui duas obras ligadas a suas observações do céu. A gestação do céu e Nova tipologia celeste a partir de Cozens revelam desenho e a gravura como fios condutores de suas experiências do espaço e da paisagem como observação.
Interessada na possibilidade de paisagem como construção Julia Arbex constrói, na série Submerso desenhos de quase-paisagens nos quais a delicadas linhas, que insinuam perfil montanhosos, se combinam com uma ocupação aguada, resultado do procedimento da artista de mergulhar cada um dos papeis em uma mistura de água e nanquim. A altura e a intensidade que a colocação alcança tem relação ao tempo que o papel ficou submerso. Paisagens insinuadas ou construídas, mas com o uso de processos e materiais industriais, também alimentam a produção de Estela Sokol, especialmente a partir de eventos ligados à mudanças de luz. Em Riminha, Métrica e On and Off series, latão e cobre, aço e lixa, feltro e tecido luminoso, despertam interesse por suas características intrínsecas, como textura, reflexo e oxidação, insistindo em buscar um novo estatuto para a cor e a luz.
Uma paisagem mais cotidiana é o que move as produções de Gabriela Sacchetto e Juliana Ronchesel. Em suas pinturas de pequenas dimensões, Gabriela parece construir uma espécie de bloco de notas ou diário afetivo, com cenas e objetos do cotidiano – ao mesmo tempo extremamente pessoais e também reconhecível por todo mundo. Elas são, como escreveu Bruna Costa na recente individual da artista, “do tamanho da respiração”. De alguma maneira, as obras de Juliana Rochesel também têm essa dimensão. Vidros e madeiras usados pela artista foram encontrados em suas caminhadas pela cidade. A partir deles trabalha com a construção de tramas, em movimentos de linhas que se assemelha a uma espécie de escrita recorrente.
Uma paisagem doméstica, resultado do processo e procedimentos de construção, também é material de interesse da produção de Daniel Murgel e do próprio Leandro Barboza. Os desenhos de Daniel Murgel são como projetos de construção em madeira, explicativos como um “faça você mesmo” poético/objetivo. Há uma vontade de burlar os limites, ou a separação, entre o utilitário e o artístico, misturando soluções técnicas e intuitivas em um mobiliário doméstico, projetado e construído pelo próprio artista. Ao mesmo tempo, Leandro Barboza recorre em sua produção à experiência como restaurador e seu interesse pelo canteiro de obras e as técnicas da construção civil. Elas são ao mesmo tempo material e matéria de trabalho.
Fernanda Lopes