“Maré” - Ana Sant’Anna

05.08 - 30.08.2023

ArteFASAM São Paulo

Maré

Felipe Barros de Brito

Antes de tudo, havia o mar. Mesmo não sendo uma afirmação geo-historicamente correta, para Ana Sant’Anna não poderia ser mais real. Ao caminhar à deriva em Salvador, sua cidade natal, foi impossível não se perceber envolta do luminoso, atmosférico e oceânico azul. Com a fotografia, seu primeiro suporte, registrou formas lapidadas e devolvidas pelas ondas. Ao começar a experimentar com pintura, por meio do pastel oleoso e papéis, o mar foi o primeiro dos seus temas – e o mais íntimo. Não é difícil encontrar a artista com um caderno, entrelaçada ao som das ondas, ora descrevendo o seu ver e o seu sentir, ora coletando o que encontra. Pequenas rochas, gravetos e vidros polidos pelo movimento da água são disparadores de criatividade, que, ao serem decantados em seu inconsciente, ressurgem envoltos em chassis e molduras. Os pensamentos que a invadem são como correntes marítimas, guiando-a sempre em frente, mas não sem descanso. Ancora-se em seu ateliê e desagua em arte. Com gênesis coreograficamente poética, seus trabalhos assemelham-se ao movimento das marés. Cores e formas se unem e materializam-se como uma transcrição de suas paisagens imaginadas – diários escritos à óleo, grafite e fotografia. Ana Sant’Anna leva o oceano consigo aonde vai, e, ao deparar-se com o horizonte montanhoso em uma viagem, encontrou o mar sob o sol das montanhas. Percebeu, inconscientemente, que ainda que pareçam opostos, nada mais são que ondas congeladas em terra e rocha, e, a partir desse momento, passou a escrever em outra cor – o ocre. Ao abrir as portas da nossa imaginação com cenários e formas intimamente construídas, a artista nos convida a mergulhar em seu processo criativo. Ana observa, absorve e transforma suas memórias em cenários que se misturam em sensações navegantes entre o idílico, o físico e o abstrato. Deparar-se a um de seus trabalhos é como estar a caminho de algum lugar; é como testemunhar e vivenciar travessias em terra ou mar, de encontrar detalhes imperceptíveis no caminho, de cruzar marés altas, baixas, calor escaldante, ambientes gélidos, tempestades e calmarias. É estar em constante transformação. Quem navega tem que estar sempre atento às marés. Um movimento errado e a viagem chega ao fim; mas Ana Sant’Anna não oferece perigo. Em contrapartida, nos presenteia com pausa, meditação e atenção ao que está dentro e fora de suas pinturas, desenhos e fotografias. É como olhar para outro mundo, encontrar a si mesmo e seguir viagem em horizontes longínquos e estranhamente familiares – uma ode às correntezas que nos levam.

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