“Pó de estrelas” - Anna Paes

18.05 - 06.07.2024

ArteFASAM São Paulo

Pó de estrelas

Em 1980 o astrônomo e biólogo estadunidense Carl Sagan (1934-1996) co-escreveu e apresentou em mais de 60 países a série televisiva Cosmos: Uma Viagem Pessoal. Eternizado pela máxima “Somos todos poeira de estrelas”, ele popularizou a teoria que elementos contidos nos corpos celestes estão presentes também nos corpos humanos. Uma teoria que a princípio parece ser poesia, mas que foi cientificamente comprovada.

Por exemplo, o carbono 14 é resultado da interação de raios cósmicos com Nitrogênio ao penetrar na Atmosfera, é assimilado por organismos vivos de forma direta ou indireta. Conhecida como datação de carbono-14, esta é uma técnica comum usada para determinar a idade dos materiais encontrados em sítios arqueológicos, que consiste em medir a quantidade de carbono 14 que vai se desintegrando lentamente na matéria.

Inspirada pela máxima de Carl Sagan e pelo método arqueológico da datação de carbono-14, a artista e antropóloga Anna Paes apresenta a exposição “Pó de estrela”, com trabalhos que vão do micro ao macro, da relação do grão de areia à imensidão cósmica. Enquanto estrelas são corpos celestes que estão há anos-luz da Terra, pensar artefatos e ruínas num paralelo arqueológico visual é a forma em que a artista articula suas ideias. Tal como a observação do céu estrelado pode despertar um senso de conexão com o passado, uma vontade de entender como as sociedades antigas viviam e até mesmo a origem do universo, os trabalhos aqui presentes podem ser interpretados como uma vontade de potencializar esta conexão.

Partindo de uma cartografia que investiga locais específicos onde a geologia é motivo para a produção artística, seu processo criativo é iniciado pela saída à campo, seja em residência artística ou viagens. Conchas, sedimentos rochosos, pigmentos minerais, ossos e outros materiais são coletados pela artista em localidades como Arapuca (Litoral Sul da Paraíba), Pantanal (Mato Grosso) e Igatú (Chapada Diamantina na Bahia). Usar da arqueologia na prática artística é um caminho constante em sua produção, que se faz presente em todos os seus trabalhos, independentemente da superfície elegida: polpa de papel, tecido ou madeira.

Já em São Paulo, metrópole em que a artista nasceu e vive, caixas de ovos são coletadas, trituradas e transformadas nas bases das séries “Vestígios Arqueológicos” e “Terra Rara”, muitas vezes atuando como um suporte para os demais materiais encontrados nas saídas à campo. O que se observa são padrões e códigos geométricos sustentados por uma massa de polpa de papel que muito se assemelha a um corpo mineral. Um suporte pictórico que atua tal qual a tela para a pintura, com a especificidade de que este é elaborado a partir do reuso de papéis provenientes de uma cidade onde se consome e se descarta numa velocidade mais rápida do que se produz. Em síntese, ao invés de seguir a lógica predatória de nomear lixo a matéria do papel descartado, este material retorna ao ciclo da vida por meio da arte.

Diante dos modos de produção, distribuição e consumo da humanidade intensificados após a Revolução Industrial, que desencadeiam as Mudanças Climáticas e se sobressaem ao tempo natural de regeneração da Terra, a produção de Anna Paes se posiciona na contramão, como quem caminha ao encontro do passado para poder dar espaço para o futuro. Olhar as estrelas e utilizar materiais coletados e descartados são gestos que confluem neste mesmo movimento de desaceleração. Utilizando-se de metáforas visuais para falar sobre o impacto do capitalismo industrial na Terra, ela atua num campo sensível próprio da união das artes visuais com a antropologia; lembrando-nos que somos feitos de pó de estrelas, sua exposição é um convite para a integração das naturezas humanas, cósmicas, vegetais e animais.

Paula Borghi 

Ilhéus, abril 2024

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